Do FANTÁSTICO – Rede Globo G1)
Passar em um concurso público não é fácil. E pode ficar
praticamente impossível se as vagas já estão marcadas. O Fantástico mostra o
golpe que transforma concursos em cabides de emprego. A fraude beneficia
parentes e assessores de políticos em todo o país.
Repórter: Quantos concursos o senhor acha que já fez?
Dono de empresa: Uns 500.
Repórter: De cada dez concursos que o senhor fez, em quantos
houve fraude?
Dono de empresa: Oito.
Repórter: Você me dá o gabarito antes?
Dono de empresa: Fala baixo.
Dez milhões de brasileiros participam de concursos públicos
a cada ano. E uma quantidade incalculável deles está sendo passada pra trás.
Veja o que o Fantástico apurou: em todos os 26 estados do Brasil e no Distrito
Federal, os ministérios públicos investigam algum tipo de fraude em concursos
públicos. É maracutaia em todo o país! Só na Bahia, por exemplo, foram 36 casos
de irregularidades em concursos. Em Mato Grosso do Sul, as questões de um
concurso foram copiadas de uma prova feita antes, no Pará. E, no Maranhão, um
analfabeto foi aprovado graças ao esquema montado por um secretário municipal,
parente dele.
Veja o que o ex-dono de uma empresa que fraudava concursos
conta. Ele diz que agora se afastou dessa atividade:
Repórter: Qual era o perfil dos candidatos beneficiados
aprovados fraudulentamente?
Ex-dono de empresa: Unicamente apadrinhados políticos da
administração municipal.
A maior parte das fraudes acontece nos concursos municipais.
Prefeitos e vereadores contratam uma empresa para organizar a prova e indicam
os candidatos que eles querem ver aprovados.
“A esposa do prefeito passou em primeiro lugar, a secretária
de educação passou em primeiro lugar no outro cargo, o secretário de
administração passou em primeiro lugar em outro cargo”, conta uma mulher.
Em Novo Barreiro, no Rio Grande do Sul, aconteceu um caso
curioso: uma mulher, que tentou se beneficiar da fraude, mas acabou reprovada,
resolveu denunciar o prefeito. “Ele chegou lá na minha casa e falou assim: ‘os
meus eu tinha que deixar bem. Eu fiz o concurso dessa maneira porque eu não ia
fazer um concurso para passar qualquer um’”, lembra.
O prefeito Flavio Smaniotto não quis comentar a acusação.
“Irmã do secretário de administração, sogra do secretário de administração,
primo do secretário de administração”, diz. A fiscal de um concurso em Itati,
no Rio Grande do Sul, notou que vários candidatos entregaram a prova quase em
branco e mesmo assim foram aprovados. “Sobrinha do prefeito, sobrinho do
prefeito, filho do prefeito”, conta.
É a oficialização do cabide de empregos. “O perfil que nós
identificamos é sempre de alguma forma ligado ao administrador. Ou por laços de
parentesco, ou por afinidade partidária, político-partidária, ou até mesmo quem
já presta serviços ao Executivo”, explica o promotor de Justiça Mauro
Rockembach.
Trinta e oito candidatos foram indiciados na cidade, mas a maioria
deles continua a ocupar os cargos conseguidos irregularmente.
Durante dois meses, com uma câmera escondida, o Fantástico
gravou conversas com representantes de empresas que organizam concursos
públicos.
No início, o contato é cauteloso, como aconteceu com Marcos
Perin, dono da empresa Inova.
Marcos Perin: A partir de hoje, não pode mais ter contato
comigo, tá?
Repórter: Não, não.
Marcos: Contato zero.
Os empresários não querem deixar pistas. Luiz Pereira de
Souza é o dono da Ascon: “O importante é não falarmos por telefone. Telefone é
brabo”.
Mas depois de um certo tempo, a conversa com os empresários
fica explícita. Clóvis Pauleti é sócio de Marcos Perin na Inova.
Repórter: Você consegue aprovar três?
Clóvis Pauleti: Dez vagas, três, eu consigo.
Para algumas empresas, o repórter Giovani Grizotti se
apresenta como assessor de uma prefeitura paranaense. Para outras, como
assessor da câmara de vereadores de uma cidade gaúcha. A investigação foi feita
com conhecimento tanto do prefeito quanto do presidente da câmara.
Repórter: Cinco a senhora garante a aprovação?
Neide Ferreira: Cinco eu posso garantir.
Neide Ferreira é dona da empresa DP. Para ficar com o
contrato, ela negocia propina ao suposto assessor da prefeitura e o valor da
fraude já vem com a previsão do imposto.
Repórter: O imposto da minha comissão a senhora joga no
valor do contrato?
Neide: É, no contrato.
Repórter: Vamos supor R$ 19 mil. Vamos dizer que eu fique
com R$ 3 mil, aí ficaria R$ 22 mil.
Neide: R$ 22 mil. Daí eu jogaria com R$ 22,5 mil.
Repórter: R$ 500 de imposto.
Neide: É.
Luís Pasinato é representante da empresa Lógica. Quando o
repórter diz que quer indicar oito candidatos, Luiz responde que isso tem um
preço: “Digamos assim que eles aceitem pôr oito. Eles pedem em torno de R$ 5
mil por caso”.
Repórter: R$ 5 mil para aprovar cada candidato?
Luís Pasinato: Candidato indicado eles pedem R$ 5 mil.
Aqui, se negociar direito, ganha desconto.
Repórter: Esse valor que você me deu, R$ 5 mil, é o que a
empresa costuma cobrar?
Luís Pasinato: Vamos ver. É o que costuma, mas eu estou
pensando que é para dois, três cargos. De repente, para essa quantidade, fique
bem menos.
E o representante da Lógica pede mais um dinheirinho por
fora, na conta dele: “Como é um caso de extremo risco para mim, de alta
confiabilidade, melindroso, eu sempre peço alguma coisa por fora. É para
engrossar um pouco para valer a pena. E aí eu gostaria que você me depositasse,
assim que estiver contratado e tudo definido, R$ 3 mil na minha conta”.
É a comissão da comissão. Ou seja: além de pagar para as
empresas, paga-se também propina para o representante da empresa. Negócio
fechado. Agora o suposto assessor quer saber como os seus candidatos serão
aprovados no concurso.
“Isso aí você deixa comigo que eu sou especialista. A gente
faz o concurso com tudo normal, bonitinho. A pessoa faz a prova e não comenta
com ninguém. Depois, nós trocamos o gabarito”, explica José Roberto Cestari.
Repórter: Tira o cartão que o candidato preencheu e bota um
cartão com as respostas certas.
Luiz Pereira de Souza: Isso.
“Só que ele não pode bater com a língua nos dentes e falar:
‘não passei’. Se ele falar ‘não passei’, seja para quem for, como é que você
vai ajeitar a vida do cara?”, ensina Celso Rangel de Abreu.
Celso Rangel de Abreu é diretor da empresa RCV e explica
como faz a fraude: “Ele tem que dizer que foi bem. ‘Foi bem, acho que deu pra
passar’. O que eu vou fazer para essa meia dúzia? Eu vou imprimir novamente os
cartões-resposta, vou pedir para ele assinar”.
Repórter: Ou seja, o cartão-resposta vai ser trocado.
Celso: Vai ser trocado.
Repórter: Onde ele marcou errado, você marca certo.
Celso: Eu marco certo.
Foi isso que a fiscal do início dessa reportagem descobriu
ao rever os cartões de respostas que, no dia da prova, tinham sido entregues
quase em branco. “Quando os cartões-resposta vieram estavam todos preenchidos”
Repórter: Mas se denunciarem não dá problema? “Não”, garante
Luiz Pereira de Souza.
“O promotor vai achar que você não tem capacidade em uma
prova?”, questiona José Roberto Cestari, dono da empresa Cescar. “Isso aí tu
deixa comigo que eu sou especialista”, avisa.
Ele ensina ao suposto assessor uma forma de não chamar
atenção para a fraude: adiar a convocação dos apadrinhados: “Se você tem dez
vagas, você passa o cara lá em oitavo, nono lugar. Chama dois esse mês, depois
chama mais dois. Porque os mais visados são o primeiro e segundo lugar”.
Você deve estar indignado com os truques de quem frauda
concursos públicos. Então preste atenção em mais um: a venda do gabarito antes
das provas. A mulher que denunciou o cabide de empregos em Novo Barreiro diz
que o prefeito da cidade vendia as respostas certas por um valor que depois era
descontado no salário de quem entrava no esquema.
Repórter: Como que o prefeito conseguiu justificar este
desconto nos salários?
Fiscal: Porque eles fizeram como se as pessoas tivessem
feito um empréstimo no banco e dividido para as pessoas pagarem.
Mas o banco nega que esses empréstimos tenham sido feitos.
Um candidato do Rio Grande do Sul seguiu as regras e tentou passar honestamente
em um concurso que agora é investigado por fraude. Mesmo sendo a vítima, ele
prefere não aparecer: “Eu, minha esposa e o meu filho, a gente queria uma
oportunidade, que o lugar é pequeno, tem pouco trabalho. A gente tentou pelo
menos um salário melhor, uma estabilidade melhor”, diz.
“É muito injusto que, enquanto alguns estudam, correm atrás,
gastam seus recursos financeiros, seu tempo, sacrificam família para passar em
um concurso público, e outra pessoa vai e compra esse espaço”, destaca Augusto
de Souza Neto, presidente da Associação Nacional de Concurseiros.
“Quando a gente fala em fraude em concurso, a gente está falando
de você botar corrupto e gente que vai ficar achacando a população. Nós temos
inclusive projetos no Congresso que estão parados sem a atenção devida. E essa
lei de concursos tem que criar instrumentos para que uma empresa de fundo de
quintal não possa fazer concurso”, afirma o juiz federal William Douglas.
Repórter: Seu Luís, você vende vagas em concurso público, é
isso?
Luís Pasinato: Eu não vendo.
Repórter: O senhor está sendo acusado de fraudes em
concursos públicos, o senhor confirma?
Luiz Pereira de Souza: Claro que não.
Repórter: Nunca aprovou ninguém de maneira fraudulenta?
Celso Abreu Rangel: Certeza absoluta.
Repórter: Não cobra imposto sobre propina?
Neide Maria Ferreira: Imposto não, de jeito nenhum.
Marcos Perin é sócio de Clóvis Pauleti.
Repórter: O senhor está sendo acusado de fraude em concursos
públicos, o que o senhor tem a dizer?
Marcos Perin: Nada, não tenho nada a dizer.
Repórter: O senhor nunca ofereceu vaga de maneira
fraudulenta em concursos públicos?
Marcos Perin: Nada.
“Eu achei que foi cachorrada. Muita gente deixou de fazer
muita coisa, se deslocou de longe, foram feitas de palhaço”, reclama o
candidato honesto.
Repórter: O que o senhor pensaria de uma empresa que
fraudasse concursos públicos?
José Roberto Cestari: Eu acho que ela está fazendo uma coisa
muito errada.
(Do FANTÁSTICO – Rede Globo G1)
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